Fábio Castello
A FOME E A VONTADE DE COMER
Delícias do cerrado
Vêm das savanas brasileiras frutas pra lá de exóticas. Riquíssimas em vitaminas e minerais, elas afastam doenças sérias, como o câncer. E, ao consumi-las, você ainda evita outro mal: a devastação do ambiente
Araticum, buriti, cagaita, ingá, jatobá, mangaba, pitaya, pitomba e pequi — esses nomes estranhos são de frutas, ilustres desconhecidas da maioria dos brasileiros, mas que deveriam estar entre as vedetes da alimentação saudável. Quem joga os holofotes sobre essas espécies típicas do cerrado são cientistas de várias regiões do país, que estudam a fundo suas propriedades terapêuticas. "As pesquisas mostram uma forte presença de nutrientes e substâncias antioxidantes, capazes de diminuir o risco de doenças graves", conta a nutricionista Alinne Marin, da Universidade de Brasília, no Distrito Federal.
No interior de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, concentrou seus estudos sobre o buriti e descobriu que, entre todos os vegetais brasileiros, ele é o grande campeão em carotenóides, substâncias responsáveis por dar origem à vitamina A no nosso corpo. "Esses compostos ajudam a proteger a pele, os pulmões e o coração e estão associados à redução do risco de câncer e outros males degenerativos", enumera a engenheira de alimentos Gláucia Pastore, autora do trabalho. Os buritis, coquinhos amarelos produzidos por uma palmeira, são consumidos na forma de sucos e geléias, mas, como têm sabor levemente agridoce, também caem muito bem em receitas salgadas. Outro fruto chama a atenção desses verdadeiros caçadores de substâncias do bem. "Trata-se da macaúba, uma excelente fonte de minerais, como o cálcio, que preserva os ossos, e o magnésio, que contribui para o bom funcionamento dos músculos e dos nervos", revela Alinne. Já o perfumado araticum, que se assemelha à fruta-do-conde mas tem sabor mais adocicado, e a cagaita, da família das goiabeiras, apresentam altos teores de vitaminas do complexo B. Nesse quesito, ganham de frutas mais comuns, como o abacate e a banana. "A cagaita ainda é rica em vitamina C e pode afastar a prisão de ventre", garante o engenheiro agrônomo José Orlando Madalena, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Cerrados, que fica em Brasília. Mas, de todas as frutas do cerrado, o pequi foi o que mais ultrapassou as fronteiras da fama local e ganha adeptos Brasil afora.
Ele entra como ingrediente de um arroz preparado na região central do país — uma iguaria apreciada pelo sabor marcante. Parece incrível como uma fruta tão pequena pode conter tantos antioxidantes, as célebres substâncias que combatem os radicais livres. "Uma das que mais aparecem no pequi é a vitamina C, mas o licopeno, composto que protege a próstata e o coração, não fica tão atrás", ressalta José Orlando Madalena. Apesar de não tão famoso quanto o pequi — por enquanto —, a grande estrela dessa constelação é, sem dúvida, o baru, ao menos de acordo com a opinião dos cientistas do Laboratório de Biofísica da Universidade de Brasília. Ali, o baru — que é uma castanha — foi investigado ao lado de outras frutas muito consumidas na região, como o ingá, a serigüela e o jatobá. A quantidade de vitaminas e minerais dessa amêndoa, que já virou um petisco popular em bares e restaurantes do planalto brasileiro, surpreende os estudiosos. "Ela concentra ferro, cobre, zinco, fósforo e magnésio, minerais essenciais para o bom funcionamento do sistema cardiovascular e para as defesas do organismo", afirma Alinne Marin. "Isso sem falar nas boas doses de antioxidantes, como taninos e citatos", completa. O único senão é que o baru tem calorias pra dar e vender, mas quem não se preocupa com o peso pode tirar proveito do sabor, que é parecido com o do amendoim. Por muito pouco, porém, a riqueza de todas essas espécies não se perde antes mesmo de extrapolar os limites do cerrado. Afinal, esse é o bioma brasileiro que mais tem sofrido com a ação deletéria do homem. As estimativas mais otimistas dão conta de que hoje só 20% de sua área original esteja preservada. Isso quer dizer que dezenas de espécies frutíferas podem ter sido aniquiladas, sem a gente tomar conhecimento de seu gosto e de suas propriedades. Preocupados, os cientistas apostam mesmo é no aumento do consumo dos frutos do cerrado como forma de evitar o extermínio. "A destruição desse ambiente está atrelada à pobreza. Quanto maior a demanda por esses alimentos, maior também a renda para a população local, que, por falta de conhecimento e opção, simplesmente corta as árvores.
E aí elas acabam virando carvão ou dão lugar a pastos", explica José Orlando Madalena, que coordena ações de educação ambiental e economia para os pequenos agricultores.